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«Não se deve querer fazer uma vez mais aquilo que a Natureza já fez perfeito. Não se deve querer parecer verdadeiro pela imitação das coisas.»
George Braque in «Cahiers de G. Braque»

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Que paisagens encontramos dentro de casa?, 2020



Que paisagens encontramos dentro de casa?, 2020
Tinta de esferográfica, marcadores, acrílico e lã sobre e entre papel, 21 x 27,8 cm

Passamos do estado de emergência para o de calamidade e uma consequência foi o retiro das cercas sanitárias. A campainha tocou e apareceu a minha tia que não víamos há muito tempo. O primeiro impulso quando a vi foi dar um beijo e um abraço, mas lá contive-me. 
Mostraram os seus feitos de lã, todas contentes e orgulhosas, e muito falaram e riram-se.  Logo chamaram a Graça, nossa vizinha e amiga de há anos. Uma vez sem exemplo.
Depois de uma recolhida no quarto com o meu irmão, onde os ouvia, cheios de euforia, fui desenhar. Desenhei a Graça que logo se foi embora, minha mãe que fazia croché enquanto conversavam, intercalando com a minha tia que nunca parava quieta, cheia de energia. Virei a folha e lá comecei de novo, era para desenhar as duas sentadas lado a lado, coladinhas, mas a minha tia encheu a folha, não foquei-me em controlar a  sua dimensão. Falava comigo e eu abanava a cabeça, mas sinceramente queria captá-la, então não estava a prestar muita atenção ao que dizia, não deixando de lhe dar atenção. No dia a seguir, tinha uma página vazia ao lado dela. 
Estão alguns dos meus quadros expostos na sala, anotei com as cores que tinha alguns dos quadrados de cor e quantidades de preto, segundo as saturações do vermelho, recortei formas e e preenchi-as do tom que predominava, extendo o azul ultramarino atá à página do lado e quebrando-o com a adição de branco titânio, remetendo-me o quadro (já não se tratando dos originais) a uma janela. Ataquei com o acrílico a minha tia: cabelo fogo, lembrando-me dos seus olhos de mel que acho que não captei, lábios roxos, camisa cinza azulada e casaco branco com nuances de marfim (próximo da cor do papel). Sinto que pouco captei daquele preciso momento.

Não será isso uma paisagem?  Há quem diga que é parte do espaço visível, há quem associe aos outros sentidos, há quem fale em território, há quem fale em associações e morfologia...  mas afinal que paisagem é essa?


Foi uma ação num tempo e espaço fragmentado que brinca com a memória e sentidos dando forma a uma imagem fruto de escolhas individuais mas que também são fruto de um colectivo. Se calhar não disse nada de jeito mas é o que é.

2 comentários:

Convidado_uskpacores disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexandra Baptista disse...

Gosto muito da tua publicação, texto e imagem.