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«Não se deve querer fazer uma vez mais aquilo que a Natureza já fez perfeito. Não se deve querer parecer verdadeiro pela imitação das coisas.»
George Braque in «Cahiers de G. Braque»

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Boletim de Janeiro 2020



O Grupo Urban Sketchers Açores deu as boas vindas ao ano de 2020 da melhor maneira possível. A pintar, a riscar, a desenhar, a escrever.
Na parte norte da ilha de São Miguel, num recanto “ escondido” de uma das ruas da Vila de Capelas existe a Oficina Museu aberta há mais de 21 anos sob as cuidadosas e carinhosas mãos do Professor Manuel João.
O anfitrião recebeu-nos com a simpatia que o caracteriza e fez as honras da casa.  E era em casa que nos sentíamos. A casa de “outros tempos” – do nosso passado presente, do nosso “hoje”.
Para nos completar e orientar nesse 1º Encontro do ano tivemos o Urban Sketcher Nacional Bernardim Casaca (Valter Pratas) que com os seus conhecimentos académicos e de artista nos deu umas “pistas”. Licenciou-se em Belas Artes no Porto- Pintura, fez Erasmus e depois de concluída a sua formação dedicou-se a outro ramo na sua vida profissional. Em 2014 volta a pintar. Embora não faça vida das artes, respira e vive o desenho, essencialmente o “ desenho técnico” com base nos seus conhecimentos académicos.
Falou-nos da esferográfica das 4 cores. Do desafio entre as cores na mesma caneta, partindo do mais claro para o mais escuro. A figura humana é um grande desafio para ele.
Feitas as apresentações o grupo constituído por bastantes elementos começou a dispersar-se, a visitar e a ficar encantado com o Museu. Muitos já conheciam, outros não.
Em todos os rostos via-se um olhar atento, admirado e saudosista.
Ao entrarmos naquele espaço fizemos rapidamente uma viagem ao passado.
Um corredor claro ladeado de muita luz natural com exposição de presépios de lapinha,  quadros de escama de peixe e registos do santo Cristo são o ponto de partida para a “grande viagem”.
E como ainda vivemos a época natalícia, mais concretamente a festa dos Reis, um presépio tradicional com cheiro a tangerina e com o verde do trigo e da ervilhaca lembra-nos as nossas tradições e os presépios antigos.
Mais uns pequenos passos e a grande aventura começa. Abre-se um espaço a lembrar uma praça com muitas lojas/espaços típicos do nosso passado, do nosso imaginário.
Passado-presente-futuro- uma trilogia que nos acompanhou sempre na nossa visita. Passado por recordarmos o que já vimos e vivemos na nossa infância, presente porque estivemos a vivê-lo agora, e queremos senti-lo de novo e futuro porque queremos e devemos transmitir aos nossos descendentes memórias, valores e tradições ali retratados.
Autênticas ruas estreitas com os números de porta e identificação correspondente.
Começamos pelo sapateiro. Figura muito usada para arranjo de sapatos. Máquinas antigas, moldes de sapatos, tudo parece vivo. Impera o cheiro a lustre tão característico.
Ao lado entramos na tipografia.  Apesar das máquinas antigas estarem paradas, o silêncio delas transforma-se num trabalhar a um ritmo veloz.  Parece que se estão a imprimir jornais e a tinta das letras ainda está fresca. Jornais, tipografias da nossa infância já desaparecidos estão lá presentes e na nossa memória também.
Mais uns pequenos paços e entramos no latoeiro. Formas em ferro variadas, guarda-chuvas, tudo era arranjado e aproveitado.
O cheiro a barro convida-nos a entrar na olaria. Loiças, bonecos de presépio, tudo em cima da bancada feita com uma perfeição de mãos de artesão.
A loja das tradições é um autêntico deslumbramento. Contempla todos os gostos , todos os nossos encantos. Coleções de tudo e para todos desde barcos, latas, presépios, bandeiras, esferográficas, etc.
E como parecia adivinhar-se a hora de almoço, o relógio presente numa das ruas convidava-nos a entrar na cozinha. A cozinha dos nossos avós. Que saudades. A simplicidade das coisas era tão bela. Tudo parecia ter um cheiro tão saudável, tão genuíno. O forno de lenha, o banco corrido de madeira, as loiças, a toalha xadrez. Conseguimos ver, sentir e cheirar o ontem, ali no momento.
Mesmo encostado a taberna onde se juntavam os homens em volta de um balcão de madeira, e sentados em bancos de madeira de roda de pequenas mesas a jogar às cartas. Muito cigarros, bebidas variadas, Um misto de cheiros e sabores.
E como também no passado os nossos avós e os nossos pais se preocupavam com o seu visual, encontramos uma barbearia com cadeiras antigas e lâminas, e as modistas e alfaiates com os seus figurinos, tecidos e chapéus. Tudo feito à medida. Tudo personalizado.
Na oficina de tecelagem faziam-se e ainda se fazem as mantas, os tapetes coloridos. Trabalham-se as lãs.
Viramos para outra rua e ao olhar para a esquerda encontramos um pequeno quintal com plantas e galinhas a cantar. Paramos e pensamos. Isto é mesmo real. Não é um sonho. E era bonito de se ver. Cada sketcher num canto a pintar. Cada qual se identificava com um recanto e passava para o papel os sentimentos.
Mas a viagem ainda ia a meio. Muito comércio por visitar.
Duas lojas completavam-se ao virar da esquina- o ferreiro- muitas ferramentas, ferros de engomar, tudo tão velho como o sinal dos tempos. Tudo com tanta vida. E daí que aparece a liquidadora- a second hand-nome em inglês que hoje em dia teimamos em usar. Nomes que não são nossos. De tudo à venda. Relíquias antigas. Oratórios, cómodas, estátuas, quadros.
O cheiro a papel pairava no ar. A encadernação de cadernos, livros e jornais. Um piano antigo num dos largos parecia tocar sozinho melodias do nosso tempo.
Mais uma simbiose de cheiros confundia-nos a memória. Por um lado, a farmácia com cheiro a medicamentos feitos mesmo ali nos laboratórios. Frascos de todas as medidas, aparelhos de raio x, balanças.
Por outro lado o cheiro vinha da barraca de frutas e hortaliças frescas, bem como a mercearia exibia produtos já desaparecidos ou substituídos por outros mais elaborados e modernos.
O tic tac da relojoaria dos relógios parados no tempo pareciam todos em orquestra trabalhar para os visitantes. E ouvia-se música. Da boa e antiga. Na loja dos instrumentos musicais, registada numa fotos da máquina Kodak.


O tempo da escola é um dos momentos mais marcantes da nossa infância. Desde o preparar a entrada, com a ida à papelaria. A sala de aulas com paredes cobertas de mapas de Portugal e do corpo humano, sob a proteção de um crucifixo e a presença imponente de fotografias dos políticos da época.
O Povo açoriano é conhecido por ser muito religioso. O império mesmo no fundo da rua com a bandeira e coroa do Espirito Santo abençoava os presentes, bem como um altar de Santos desde São Isidoro, a São João, Santa Clara nos protegiam e nos convidavam a voltar sempre. E  é isso que fizemos hoje e vamos fazer sempre. Voltar sempre ao passado, às nossos memórias e tradições. Aclamar as saudades com o nosso presente e com o olhar no nosso futuro.
Feliz Ano Novo para todos os Sketchers com muitos desenhos.



Ana Cristina Arruda©
Boletim USkP Açores| janeiro 2020

1 comentário:

Alexandra Baptista disse...

Ana, Feliz ano novo (^J^).