O Grupo Urban Sketchers Açores deu as boas vindas
ao ano de 2020 da melhor maneira possível. A pintar, a riscar, a
desenhar, a escrever.
Na parte norte da ilha de São Miguel, num recanto “
escondido” de uma das ruas da Vila de Capelas existe a Oficina Museu
aberta há mais de 21 anos sob as cuidadosas e carinhosas mãos do
Professor Manuel João.
O anfitrião recebeu-nos com a simpatia que o
caracteriza e fez as honras da casa. E era em casa que nos sentíamos. A
casa de “outros tempos” – do nosso passado presente, do nosso “hoje”.
Para nos completar e orientar nesse 1º Encontro do
ano tivemos o Urban Sketcher Nacional Bernardim Casaca (Valter Pratas) que com os seus
conhecimentos académicos e de artista nos deu umas “pistas”.
Licenciou-se em Belas Artes no Porto- Pintura, fez Erasmus
e depois de concluída a sua formação dedicou-se a outro ramo na sua
vida profissional. Em 2014 volta a pintar. Embora não faça vida das
artes, respira e vive o desenho, essencialmente o “ desenho técnico” com
base nos seus conhecimentos académicos.
Falou-nos da esferográfica das 4 cores. Do desafio
entre as cores na mesma caneta, partindo do mais claro para o mais
escuro. A figura humana é um grande desafio para ele.
Feitas as apresentações o grupo constituído por
bastantes elementos começou a dispersar-se, a visitar e a ficar
encantado com o Museu. Muitos já conheciam, outros não.
Em todos os rostos via-se um olhar atento, admirado e saudosista.
Ao entrarmos naquele espaço fizemos rapidamente uma viagem ao passado.
Um corredor claro ladeado de muita luz natural com
exposição de presépios de lapinha, quadros de escama de peixe e
registos do santo Cristo são o ponto de partida para a “grande viagem”.
E como ainda vivemos a época natalícia, mais
concretamente a festa dos Reis, um presépio tradicional com cheiro a
tangerina e com o verde do trigo e da ervilhaca lembra-nos as nossas
tradições e os presépios antigos.
Mais uns pequenos passos e a grande aventura
começa. Abre-se um espaço a lembrar uma praça com muitas lojas/espaços
típicos do nosso passado, do nosso imaginário.
Passado-presente-futuro- uma trilogia que nos
acompanhou sempre na nossa visita. Passado por recordarmos o que já
vimos e vivemos na nossa infância, presente porque estivemos a vivê-lo
agora, e queremos senti-lo de novo e futuro porque
queremos e devemos transmitir aos nossos descendentes memórias, valores
e tradições ali retratados.
Autênticas ruas estreitas com os números de porta e identificação correspondente.
Começamos pelo sapateiro. Figura muito usada para
arranjo de sapatos. Máquinas antigas, moldes de sapatos, tudo parece
vivo. Impera o cheiro a lustre tão característico.
Ao lado entramos na tipografia. Apesar das
máquinas antigas estarem paradas, o silêncio delas transforma-se num
trabalhar a um ritmo veloz. Parece que se estão a imprimir jornais e a
tinta das letras ainda está fresca. Jornais, tipografias
da nossa infância já desaparecidos estão lá presentes e na nossa
memória também.
Mais uns pequenos paços e entramos no latoeiro. Formas em ferro variadas, guarda-chuvas, tudo era arranjado e aproveitado.
O cheiro a barro convida-nos a entrar na olaria.
Loiças, bonecos de presépio, tudo em cima da bancada feita com uma
perfeição de mãos de artesão.
A loja das tradições é um autêntico deslumbramento.
Contempla todos os gostos , todos os nossos encantos. Coleções de tudo e
para todos desde barcos, latas, presépios, bandeiras, esferográficas,
etc.
E como parecia adivinhar-se a hora de almoço, o
relógio presente numa das ruas convidava-nos a entrar na cozinha. A
cozinha dos nossos avós. Que saudades. A simplicidade das coisas era tão
bela. Tudo parecia ter um cheiro tão saudável,
tão genuíno. O forno de lenha, o banco corrido de madeira, as loiças, a
toalha xadrez. Conseguimos ver, sentir e cheirar o ontem, ali no
momento.
Mesmo encostado a taberna onde se juntavam os
homens em volta de um balcão de madeira, e sentados em bancos de madeira
de roda de pequenas mesas a jogar às cartas. Muito cigarros, bebidas
variadas, Um misto de cheiros e sabores.
E como também no passado os nossos avós e os nossos
pais se preocupavam com o seu visual, encontramos uma barbearia com
cadeiras antigas e lâminas, e as modistas e alfaiates com os seus
figurinos, tecidos e chapéus. Tudo feito à medida.
Tudo personalizado.
Na oficina de tecelagem faziam-se e ainda se fazem as mantas, os tapetes coloridos. Trabalham-se as lãs.
Viramos para outra rua e ao olhar para a esquerda
encontramos um pequeno quintal com plantas e galinhas a cantar. Paramos e
pensamos. Isto é mesmo real. Não é um sonho. E era bonito de se ver.
Cada sketcher num canto a pintar. Cada qual
se identificava com um recanto e passava para o papel os sentimentos.
Mas a viagem ainda ia a meio. Muito comércio por visitar.
Duas lojas completavam-se ao virar da esquina- o
ferreiro- muitas ferramentas, ferros de engomar, tudo tão velho como o
sinal dos tempos. Tudo com tanta vida. E daí que aparece a liquidadora- a
second hand-nome em inglês que hoje em dia
teimamos em usar. Nomes que não são nossos. De tudo à venda. Relíquias
antigas. Oratórios, cómodas, estátuas, quadros.
O cheiro a papel pairava no ar. A encadernação de
cadernos, livros e jornais. Um piano antigo num dos largos parecia tocar
sozinho melodias do nosso tempo.
Mais uma simbiose de cheiros confundia-nos a
memória. Por um lado, a farmácia com cheiro a medicamentos feitos mesmo
ali nos laboratórios. Frascos de todas as medidas, aparelhos de raio x,
balanças.
Por outro lado o cheiro vinha da barraca de frutas e
hortaliças frescas, bem como a mercearia exibia produtos já
desaparecidos ou substituídos por outros mais elaborados e modernos.
O tic tac da relojoaria dos relógios parados no
tempo pareciam todos em orquestra trabalhar para os visitantes. E
ouvia-se música. Da boa e antiga. Na loja dos instrumentos musicais,
registada numa fotos da máquina Kodak.
O Povo açoriano é conhecido por ser muito
religioso. O império mesmo no fundo da rua com a bandeira e coroa do
Espirito Santo abençoava os presentes, bem como um altar de Santos desde
São Isidoro, a São João, Santa Clara nos protegiam e
nos convidavam a voltar sempre. E é isso que fizemos hoje e vamos
fazer sempre. Voltar sempre ao passado, às nossos memórias e tradições.
Aclamar as saudades com o nosso presente e com o olhar no nosso futuro.
Feliz Ano Novo para todos os Sketchers com muitos desenhos.
Ana Cristina Arruda©
Boletim USkP Açores| janeiro 2020
1 comentário:
Ana, Feliz ano novo (^J^).
Enviar um comentário